quarta-feira, 9 de março de 2016

A Escola Evoca a I Guerra Mundial


Um dia na Frente de Batalha

            O terror era real. Por onde quer que olhasse só via dor, sofrimento, horror por parte de homens que partilhavam a trincheira comigo. As pragas começavam a atacar devido, muito provavelmente, à falta de higiene que ali havia. Não tinha notícias da minha família há cerca de um ano e a dor no peito, que no caso pode ser chamada de saudade, fazia-se sentir cada vez mais forte a cada minuto que passava. Os sons de artilharia e de bombas a detonar assombravam-me a mente e não sabia quanto mais tempo iria aguentar viver rodeado de óbitos. Lembro-me de quando era mais novo, brincar com os meus pequenos soldados de plástico na maior inocência, mal sabia eu do pânico que aí vinha.
            O sereno da noite tentava acalmar-me, mas sem sucesso. Estava agitado, não conseguia pregar olho. Lágrimas rolaram na minha face quando me lembrei do quanto era feliz em casa, com a minha família. O choro silencioso conseguiu cansar-me o suficiente para finalmente adormecer, e embora tenha acordado pelo menos três vezes, consegui descansar o mínimo.
            Acordei com alguém a pontapear-me e a gritar “Acorda!” o que me fez alarmar. Mais um dia. Levantei-me rapidamente e pus-me no meu posto que havia sido estrategicamente posicionado. Peguei na minha metralhadora, que apenas me trazia más memórias. Eu havia morto gente com aquele pedaço de pólvora e metal. Eu havia morto alguém muito provavelmente inocente. Eu havia acabado com um membro de uma família. E tudo isto porque Portugal queria proteger as suas colónias africanas.
            Subitamente, ouvi algo que se assemelhava a um tiro. Rapidamente, deixei quaisquer pensamentos de lado e concentrei-me na metralhadora. Um grupo de aproximadamente 20 homens aproximava-se. Íamos ser atacados. Um dos homens na trincheira disparou, dando sinal para todos fazermos o mesmo. Senti o chão a vibrar e um estrondo ensurdecedor. A bomba que detonou levantou imenso pó, o que não me permitia ver os atacantes. As minhas botas estavam gastas por, provavelmente, passar tantos dias a cavar mais trincheiras. Peguei numa bomba e atirei-a na esperança de acabar com os vivos que nos queriam matar, e com sucesso. Soltei um suspiro de alívio. Escapei outra vez à morte.
            Após a tentativa de atentado, apenas continuámos a cavar e a prolongar a trincheira. Matar, naquele ambiente, já era normal. Alimentámo-nos com o pouco que havia e trabalhámos o resto do dia.
            A lua já pairava no céu, e, tal como na noite anterior, os remorsos apoderaram-se do meu ser. Assombrado por estes pensamentos, fui apenas dormir. Pensar no assunto não valeria a pena. Embora me sentisse o pior ser humano por matar, decidi descansar.
            Barulhos de tiros faziam-se ouvir na noite que antes era calma. Levantei-me, peguei na minha arma e apontei aos atacantes que aí vinham. Pus-me no meu posto, fiz mira, e antes que pudesse concluir qualquer ação, senti algo que se assemelhava a uma aguda dor de cabeça. O sangue escorreu lentamente e, aí, apercebi-me: acabou. Finalmente acabou!

Ana Beatriz Teixeira Lima Rodrigues







Crónica de um repórter de guerra em La Lys

Tinha acabado de chegar ao vale da ribeira de La Lys, quando recebi a notícia que o meu irmão João, que combatia na frente balcânica, tinha falecido com pé-de-trincheira. Quis chorar, e acredito que no início várias lágrimas caíram, mas não podia. Teria que fazer o meu luto mais tarde, talvez só quando a guerra acabasse.
Entretanto, um soldado francês acabara de dar entrada no hospital de campanha. O seu nome era Louis e tinha sido baleado. Tinha começado a tratar do seu ferimento, quando um barulho horrível soou. Olhei para Louis e ele disse-me que era, provavelmente, um avião que só nos estava a sobrevoar. Não podia ele estar mais enganado. Era, realmente, um avião de guerra, mas, assim que aterrou, surgiram soldados armados até ao pescoço, e começaram a disparar sobre os alemães. Encolhi os ombros e voltei a tratar do ferimento de Louis. Era só mais um dia igual aos outros, apenas num sítio diferente, com soldados diferentes, com armamento diferente.
Quando a Itália se juntou aos Aliados, muitos disseram que a guerra estaria para acabar em breve, mas desde que a Rússia assinou a paz com a Alemanha, que eu tenho as minhas dúvidas sobre o fim.
A verdade é que o que eu mais temia aconteceu: habituei-me ao som dos tiros.
A guerra já dura há quase quatro anos e não há sinais de que esteja para acabar. Só queria que isto acabasse. Há cada vez mais órfãos, viúvas e mães sem filhos. E para quê? Para decidir quem fica a dominar a Europa? Para ver quem fica com as colónias? Será que estes milhões de vidas perdidos só valem isso?
Este é o assunto que ocupa a minha mente enquanto enrolo gaze no braço de Louis e penso no meu falecido irmão.


Beatriz Sousa Paixão







 “A Humanidade é louca.
Tem de ser louca para
fazer o que está a fazer.
Que massacre! Que cenas
de horror e carnificina!
Não encontro palavras
para exprimir as minhas
emoções. O Inferno não
deve ser tão mau. Os
homens são loucos!”

Escrito num diário por um tenente francês em Verdun, morto por um projétil de artilheria, a 23 de maio de 1916

As solteiras eternas e os vizinhos perdidos

Chamo-me Marie e pertenço à família Laurent. Tenho dois irmãos, Francis e Claude, e uma irmã, Claire, que está casada com um alemão que vem de perto da Colónia (na Alemanha). São todos mais velhos. Éramos camponeses e habitávamos numa pequena quinta junto da aldeia Lavoût, perto da fronteira alemã. Éramos uma pobre, mas feliz família, até o ano 1914. Na altura, tinha 14 anos, quando a Europa entrou em Guerra.
Foi também através do casamento da minha irmã com o alemão, que estabelecemos uma relação familiar com a cultura alemã. Tínhamos, também, vários contactos cordiais com as pessoas de aldeias alemãs próximas da fronteira, nossos vizinhos. No tempo da colheita, ajudávamo-nos um ao outro. Muitas vezes, comíamos juntos, e, quando fazíamos isso, a cozinha estava cheia de gargalhadas. Mas com a mobilização e o início da Guerra, tudo mudou de repente. Amigos passaram a ser inimigos involuntariamente.
A Guerra era o resultado de alianças políticas e militares, com as quais não tínhamos nada a ver. Preocupámo-nos com a vida do meu cunhado e dos meus irmãos, dos nossos vizinhos alemães, e do povo francês quando os meus irmãos e o meu cunhado foram chamados às fileiras. O meu pai, por sorte, não foi porque sofria de tuberculose.
Eu e a minha mãe tivemos de fazer todos os trabalhos sozinhas. Manter a quinta num estado “aceitável” e tratar dos campos. Muitos dos campos não conseguíamos cultivar sozinhas porque eram demasiados, e daquilo que conseguíamos extrair, grande parte era retirada pelo governo e enviada para as fronteiras de luta para alimentar os soldados. Nas outras aldeias ao nosso lado houve ocupações de soldados alemães que tinham um comportamento impertinente, enquanto que a Lavoût só veio, uma vez, um general que nos declarou a quantidade de alimentos que éramos obrigados a entregar. A nossa alimentação limitava-se, então, aos poucos ovos das nossas galinhas, alguns legumes da horta (principalmente batatas e nabos) e, raramente, carne. Com o tempo, nem eu, nem a minha mãe escapámos da perda de peso e o meu pai não conseguia recuperar a saúde, permanecendo sem forças na cama. Com essas condições, começaram tempos muito duros para nós, e para todos os outros.
Às vezes, atingia-nos uma carta do Claude ou do Francis, e, cada vez que abríamos um postal, temíamos que fosse a notícia da morte de algum deles. Mas, felizmente, fomos sempre “desiludidas”. Francis, mesmo estando mais longe de casa do que Claude, escrevia mensalmente, por um motivo desconhecido era mais frequente chegar uma carta de Francis do que do seu irmão.
Na última carta ficámos a saber de Claude que se encontrava na batalha de Verdun. Ele falou da situação em que se encontrava, que tinha passado meses numa trincheira, cheio de medo, cheio de fome e sem esperança de algum dia voltar para casa, mas que não havia um dia em que não tenha pensado em nós. Mal a minha mãe tinha acabado de ler a mensagem, vieram-lhe as lágrimas.
Depois dessa carta, nunca mais ouvimos nada de Claude.
No fim da guerra, em 1918, recebemos uma visita do seu companheiro que afirmou que, provavelmente, Claude tinha sido atingido por uma granada, mas a sua chapa de identidade não tinha sido encontrada. O seu nome não foi então registado em nenhuma pedra sepulcral, mas houve um jazigo – O “Jazigo dos soldados desconhecidos”.
Na altura, estimou-se que por cada mês de batalha, em média, teriam ocorrido 70000 baixas. De acordo com as estimativas contemporâneas, morreram 377 231 homens do lado francês e 337 000 do lado alemão na Batalha de Verdun.
O meu outro irmão, Francis, voltou da batalha de Chemin des Dames, no Nordoeste da França, em 1918. E, pouco depois, também regressou o meu cunhado.
Francis casou em 1919, mas nunca mais foi um homem de muitas palavras, e por mais que eu insistisse, nunca falava sobre a guerra. Suponho que ele não quisesse recordar os seus tempos mais negros e tivesse receio de, ao falar neles, piorar os seus, já existentes, pesadelos que o perseguiam todas as noites.
Da nossa aldeia partiram 26 homens para a guerra, e só 8 voltaram, dos quais muitos profundamente traumatizados. Não só deste, mas também do outro lado da fronteira, houve muitas mortes. Tendo lutado amigos contra amigos e vizinhos contra vizinhos, por serem de lados diferentes da fronteira.
Desde a Guerra, nada voltou a ser como era. Quando um francês passava por um velho amigo alemão do outro lado da fronteira, ambos não se conseguiam olhar nos olhos porque sofriam ao ver o outro. Recordavam os gritos agudos que ambos provocaram no outro lado da fronteira, e não se conseguiam perdoar a si próprios porque sabiam que os perdidos nunca mais iriam voltar. Os perdidos, que durante anos tinham vivido na aldeia ao lado, que todos os dias tinham encontrado nos campos quando iam trabalhar e que eram seus vizinhos desde nascença.
É o sentimento penetrante da culpa de que nenhum dos soldados, muitos deles só temporários, se livrará para o resto da vida.
E eu? Tal como a noiva do Claude e muitas outras mulheres, fiquei solteira para o resto da minha vida. Quem não tivesse apanhado um dos homens que sobraram, não tinha qualquer “chance” de um dia casar, porque não havia, simplesmente, mais homens.
Nunca irei esquecer aquele tempo horrível, o tempo da Batalha de Verdun, o tempo da 1ª Guerra Mundial, a época dos gritos mortíferos.

Crónica baseada em factos reais, mas elaborada com ideias próprias.

Rosa Bauer








Na Batalha de La Lys
É um massacre a batalha de La Lys. Esta batalha dá-se na Bélgica, na região da Flandres (norte da Bélgica), e é massacre não só para os soldados que batalham, como para as suas famílias. Viúvas, órfãos, filhos que não chegam a conhecer os pais, muitos soldados mortos, feridos, inválidos, mantidos prisioneiros pelos inimigos…
Os soldados estão cansados física e psicologicamente, pois é esse o objetivo das trincheiras. Os ataques de gás e de granadas são constantes, as condições são péssimas, as necessidades são feitas nas trincheiras, o que faz com que haja muitas doenças e infeções, uma das razões para que vários homens morram. Os equipamentos não são suficientes, tal como a falta de máscaras de gás que nem todos os soldados têm acesso, bem como as suas botas, que, quando se estragarem, dificilmente terão acesso a outro par.
Alguns homens não faziam ideia do que era uma guerra e do esforço que era estar em constante stress, uma vez que os soldados pensam quando chegará a sua morte. Para além disso, a Alemanha tem um forte exército e um objetivo: eles querem anexar uma grande parte da Bélgica, norte de França, e uma parte da Polónia, inclusive.
Ontem, na madrugada de 9 de abril de 1918, as tropas portuguesas foram esmagadas por uma força alemã muito superior, o que constituiu o maior desastre militar português depois da batalha de Alcácer Quibir, em 1578. Esta ofensiva ficou conhecida como “Georgette”, foi montada por Erich Ludendorff e visava a tomada de Calais e Boulogne-sur-Mer.
Todos nós lamentamos a morte dos que nos defendem e representam nas frentes de batalha.

Tobias Furtado Baptista

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